O dia 12 de junho, Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, foi instituído pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2002, data da apresentação do primeiro relatório global sobre o trabalho infantil na Conferência Anual do Trabalho.
Cinco adolescentes são vítimas de acidente de trabalho por dia no Brasil
A média considera somente vínculos regulares de emprego e alerta para vulnerabilidade dos mais jovens no mercado de trabalho.
De 2012 a 2022, ao menos 55 adolescentes de 14 a 17 anos morreram nesse tipo de ocorrência.
O trabalho infantil mata, mutila e fere. Dados oficiais demonstram isso: no Brasil, em média, cinco adolescentes são vítimas de acidentes de trabalho todos os dias. Esse é apenas um dos aspectos de um problema muito amplo que motivou a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a, em 2002, instituir o dia 12 de junho como o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil.
De 2012 a 2022, ao menos 55 adolescentes de 14 a 17 anos morreram nesse tipo de ocorrência. Ao todo, nesse período, foram registrados 21 mil acidentes de trabalho envolvendo menores de idade. Somente no ano passado, foram 1.242 acidentes.
Os dados são do Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil, disponibilizados pelo SmartLab – Observatório da Prevenção e da Erradicação do Trabalho Infantil, iniciativa conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da OIT Brasil. Os números consideram somente os casos de vínculo de emprego regular, o que acaba escondendo uma realidade que tende a ser muito pior, em razão das subnotificações e das atividades informais, além da conivência e da omissão dos adultos.
Futuro em risco
No Brasil, é considerado trabalho infantil aquele realizado por crianças ou adolescentes com menos de 16 anos, a não ser na condição de aprendiz (a partir de 14 anos). E, mesmo para se tornar aprendiz, há requisitos a serem observados, como a proibição do trabalho em locais prejudiciais à formação, ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social ou que impeça a frequência à escola.
Para o ministro Evandro Valadão, do Tribunal Superior do Trabalho, coordenador nacional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem da Justiça do Trabalho, sujeitar crianças e adolescentes ao trabalho precoce ou, ainda que com vínculo formal, a condições inadequadas para a idade tem impactos que podem durar a vida toda. “Em vez de trazer aprendizado, o trabalho precoce coloca em risco o futuro desses meninos e dessas meninas. Muitas vezes, eles se tornam vítimas de lesões, doenças, maus tratos, violências físicas e psicológicas que impossibilitam a construção de uma vida adulta saudável”, ressalta o ministro. “A fragilidade das vítimas dessa prática é inerente, porque ainda estão em desenvolvimento, não têm maturidade física e mental. Combater o trabalho infantil é prioridade absoluta e vincula toda a sociedade”.
Cofundador dos Comitês de Adolescentes contra o Trabalho Infantil, rede presente em 16 estados brasileiros que trabalha na prevenção e na conscientização sobre o tema, o jovem Felipe Caetano é um ativista no enfrentamento ao trabalho infantil, com o qual ele próprio conviveu dos 8 aos 14 anos de idade. “Estamos falando de jovens que morrem, que perdem partes dos corpos, que se tornam pessoas com deficiência por conta do acidente de trabalho. Isso é resultado da natureza do trabalho que desenvolvem, que é indignificante, exploratório, que retira a vida e a saúde de crianças e adolescentes”, alerta.
Enfrentamento
Criado em 2012, o Programa de Enfrentamento ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem tem ramificações na Justiça do Trabalho em todo o Brasil e busca sensibilizar e instrumentalizar juízas, juízes, servidoras e servidores e toda a sociedade para reconhecer o trabalho infantil como grave forma de violação de direitos humanos. O objetivo é congregar esforços nessa luta para erradicar o trabalho precoce no país.
Assim como tem feito há uma década, em 2023 o programa busca intensificar suas ações no mês de junho, que marca o Dia Mundial e Nacional contra o Trabalho Infantil. Na edição deste ano, o programa tem focado em três frentes:
Mutirão de julgamento: Um mutirão de julgamentos de processos que versem sobre trabalho infantil e aprendizagem profissional durante a semana de 29 de maio a 2 de junho.
Folhetos de conscientização: A Justiça do Trabalho distribuirá, em vias públicas, três folhetos que buscam, através da informação, conscientizar a sociedade para desmistificar ideias como a de que o trabalho precoce não prejudica o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Os folhetos podem ser baixados, impressos e distribuídos por instituições que buscam a eliminação do trabalho infantil no Brasil; e Parcerias institucionais: O programa aderiu à campanha “Proteger a infância é potencializar o futuro de crianças e adolescentes. Chega junto para acabar com o trabalho infantil”, que traz a poesia de Bráulio Bessa ilustrada em formato de cordel pelo ilustrador baiano Ary Falcão. A campanha é coordenada pelo MPT e pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e conta com a parceria institucional da Justiça do Trabalho, da OIT e do Ministério do Trabalho e Emprego.
Danos para a vida toda
Um dos casos que tramitou na Justiça do Trabalho do Espírito Santo e chegou à Terceira Turma do TST é exemplo dessa realidade. Um adolescente de 17 anos teve os dedos da mão direita decepados enquanto operava uma serra circular utilizada no corte de madeira, em uma microempresa. Era o terceiro dia de trabalho dele, que havia sido contratado como auxiliar de escritório.
Para a Justiça do Trabalho, além de estar em desvio de função, o adolescente havia operado o equipamento sem ter nenhum conhecimento técnico para tanto. Com a perda dos dedos, sua capacidade de trabalho foi reduzida em cerca de 60%, além do abalo psicológico e do impacto na autoestima e na socialização. A empresa foi condenada a pagar indenização por danos morais e estéticos.
Abusos e morte
Em outro caso, dessa vez no Mato Grosso do Sul e julgado pela Primeira Turma do TST, um adolescente morreu após ser vítima de uma suposta “brincadeira” do proprietário e de um ajudante no lava a jato em que trabalhava, em 2017. Os dois introduziram o bico da mangueira do compressor de ar nas nádegas do rapaz. Ele morreu alguns dias depois, em decorrência de uma hemorragia interna no esôfago, que teria se rompido com a entrada do ar comprimido no corpo.
O MPT ajuizou ação civil pública contra a empresa e seu sócio, argumentando que havia trabalho infantil ou de adolescentes no lava a jato e que os jovens eram expostos a abusos físicos, psicológicos ou sexuais, além de ilegalidades referentes ao meio ambiente e à segurança do trabalho. O dono da empresa foi condenado a pagar indenização por dano moral coletivo. Ele e o ajudante também foram condenados, na esfera criminal, a pena de 12 anos por homicídio qualificado doloso.
“Inclusão excludente”
No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 havia 1,8 milhão de jovens e crianças inseridos indevidamente no mercado de trabalho, sendo que 706 mil nas piores formas de trabalho. Os dados, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), indicaram ainda que cerca de 25% dos jovens de 16 a 17 anos que trabalhavam cumpriam jornadas de mais de 40 horas, violando a legislação.
Segundo o ministro Evandro Valadão, estudos sinalizam que os números são ainda maiores. Para ele, o trabalho infantil provoca a “inclusão excludente” de seres humanos em formação. “A criança é incluída prematuramente nas atividades laborais, mas se exclui da possibilidade de ter o desenvolvimento pleno e de se inserir de forma qualificada no mercado de trabalho”, diz. “Isso reproduz ciclos de miséria e de pobreza, diretamente associados a altas taxas de evasão escolar, e risco à integridade biopsicossocial, restringindo as perspectivas de trabalho decente na vida toda”.
O impacto se dá principalmente sobre os mais empobrecidos e sobre a população negra. Crianças e adolescentes pretos e pardos, conforme o IBGE, são significativamente mais penalizados, uma vez que representavam 66,1% do contingente de trabalhadoras e trabalhadores infantis em 2019, contra 32,8% da cor branca.
Para Felipe Caetano, o trabalho precoce “mata a perspectiva de vida” e contribui significativamente para o abandono escolar. “Quando você trabalha, chega cansado para estudar e tem menos interesse na escola. É por isso que o trabalho diminui o contato com a educação. Ele faz com que essas crianças e adolescentes não estejam no ambiente educacional no mesmo nível de competitividade de quem não está no trabalho infantil”, ressalta.
Nas famílias
Segundo dados da OIT, a maior parte dos casos de trabalho infantil ocorre dentro das famílias, principalmente em fazendas ou microempresas familiares. A Organização alerta que, apesar da percepção comum de que as famílias são locais seguros, o trabalho infantil nesses casos é frequentemente perigoso. Para se ter uma ideia, mais de 25% das crianças de 5 a 11 anos e quase 50% dos adolescentes de 12 a 14 anos que estão em situação de trabalho infantil baseado nas famílias estão suscetíveis a condições capazes de prejudicar sua saúde, sua segurança ou sua integridade psíquica.
Legislação
A Constituição Federal, no artigo 227, prevê que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Também proíbe o trabalho de pessoas com menos de 16 anos, exceto na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos.
Além disso, o Brasil ratificou duas convenções internacionais da OIT: a Convenção 138, que fixa a idade mínima para admissão, e a Convenção 182, que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e da ação imediata para sua eliminação.
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho
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